Os planos para a realização de um teste amplo em seres humanos de uma promissora vacina contra o HIV criada nos Estados Unidos foram cancelados na quinta-feira (17). O cancelamento ocorreu porque uma autoridade governamental afirmou que os cientistas perceberam que não tinham conhecimento suficiente a respeito de como as vacinas anti-HIV e o sistema imunológico interagem.
A decisão é um grande revés para a tentativa de criação de uma vacina contra o HIV, que teve início 24 anos atrás, quando autoridades governamentais do setor de saúde garantiram que haveria uma vacina no mercado até 1987. Há muito tempo as autoridades do setor argumentam que tal vacina seria a melhor arma para o controle da pandemia de Aids. Várias outras vacinas contra o HIV estão em diversos estágios de teste em vários países. Mas muita confiança foi depositada no teste do governo norte-americano porque a potencial vacina fazia parte de uma nova classe que procura estimular o sistema imunológico de maneira diferente.
O médico Anthony S. Fauci, diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas, a autoridade que cancelou o teste que seria feito pelo governo, afirmou que estava ficando cada vez mais claro que seriam necessárias mais pesquisas básicas e testes em animais antes que a vacina pudesse ser comercializada.Os cientistas dizem que a criação de uma vacina contra o HIV é um dos empreendimentos científicos mais difíceis da história devido à natureza misteriosa do vírus.A vacina do governo, conhecida como PAVE - acrônimo em inglês de Parceria para Avaliação da Vacina da Aids - é similar a uma vacina que foi bastante divulgada até ter fracassado no ano passado.
A vacina que fracassou foi desenvolvida pela Merck, e a agência de Fauci ajudou a financiar os testes realizados pela empresa.Fauci afirma que chegou à sua decisão de cancelar o teste após reunir-se com cientistas que tentavam entender por que a vacina da Merck tinha falhado. Ele diz ter concluído que os cientistas precisam superar uma etapa de cada vez, porque ainda não conhecem fatos fundamentais, como, por exemplo, quais reações imunológicas são mais importantes para prevenir a infecção.
Fauci afirma que o objetivo do novo teste seria determinar se a vacina poderia reduzir significativamente a quantidade de HIV no sangue dos indivíduos infectados. Segundo ele, antes que se realizem testes em maior escala, um teste de menor dimensão é necessário para que se descubra se a vacina seria capaz diminuir a quantidade do vírus no organismo."Mostrem-me que a vacina reduz a quantidade de HIV no sangue", diz Fauci. "Então poderemos passar para a fase de um teste mais amplo, que possibilitará a identificação do vínculo entre a vacina e uma resposta imunológica específica. Um teste de grande dimensão não se justifica antes que tal redução viral seja comprovada".
O médico Alan Bernstein, diretor-executivo da Global HIV Vaccine Enterprise, diz que a sua organização apoiou a decisão de Fauci e que existe a "necessidade urgente de uma diversidade de abordagens para o desenvolvimento de uma vacina contra o HIV". "Por exemplo, recentes avanços laboratoriais, que permitem aos cientistas examinar centenas de genes simultaneamente, oferecem uma promessa imensa no sentido de nos ajudar a entender como podem ser criadas vacinas potenciais contra o HIV que sejam capazes de proporcionar uma proteção imunológica duradoura", afirma Bernstein.
O teste que foi cancelado na quinta-feira deveria ter começado com a inscrição de 8.500 voluntários em outubro do ano passado para receberem a vacina PAVE, desenvolvida pela agência de doenças infecciosas. A PAVE é um consórcio de agências federais e organizações financiadas pelo governo envolvidas no desenvolvimento e avaliação de vacinas experimentais contra o HIV. Ela procura criar uma vacina anti-HIV efetiva, algo que dificilmente uma companhia ou instituição farmacêutica fará por conta própria.
O teste da PAVE foi adiado depois que um teste da vacina da Merck fracassou quanto aos seus dois objetivos principais: prevenir a infecção e reduzir a quantidade de HIV no sangue das pessoas infectadas. Além disso, as pesquisas com os 3.000 participantes nos nove países nos quais a vacina da Merck foi testada sugerem que ela pode ter aumentado o risco de que as pessoas sejam infectadas. Depois que um comitê de monitoramento de segurança detectou os problemas com a vacina da Merck em setembro do ano passado, a companhia interrompeu rapidamente o seu estudo.Os cientistas não descobriram nenhuma explicação óbvia para o fracasso da vacina da Merck, que era considerada a candidata mais promissora. A vacina da Merck foi a primeira de uma nova classe de vacinas contra o HIV a chegar a um estágio avançado de testes com seres humanos.
A vacina era feita com uma versão enfraquecida de um vírus do resfriado comum, o adenovírus tipo cinco, que servia como transportador de três genes do vírus da Aids produzidos sinteticamente - gag, pol e nef. Três doses da vacina foram injetadas nos voluntários em um período de seis meses.
Análises científicas revelaram que o maior risco de infecção por HIV entre os voluntários estava no grupo formado por homens circuncidados e que já apresentavam anticorpos contra o adenovírus do tipo cinco. Após o fracasso do teste da Merck, o governo reduziu o número de potenciais voluntários para 2.400. O grupo incluiria homossexuais circuncidados que não apresentam anticorpos contra o adenovírus do tipo cinco.
A pesquisa de dimensões reduzidas custaria cerca de US$ 63 milhões, contra os US$ 140 milhões previstos para o projeto anterior. Em uma entrevista coletiva à imprensa em 1984, autoridades federais de alto escalão afirmaram estar otimistas quanto à possibilidade de que uma vacina contra o HIV comercializável estivesse disponível em três anos. Desde então, os pesquisadores da Aids mostram-se divididos quanto à rapidez com que devem ser testadas as vacinas experimentais.Muitos recomendam cautela, por temerem que fracassos possam acabar com a confiança das pessoas não infectadas que pertencem a grupos de risco, já que esses indivíduos serão necessários como voluntários em futuros testes.Mas outros grupos fazem pressão intensa para que se realizem testes tão logo as pesquisas mostrem-se promissoras, já que existe a necessidade urgente de uma vacina.
Em um outro estudo, pesquisadores da Universidade Duke revelaram na quinta-feira que o HIV degrada o sistema imunológico mais cedo do que os cientistas pensavam. Segundo um artigo publicado no periódico "The Journal of Virology" por uma equipe chefiada pelo médico Barton Haynes, a janela de oportunidade para conter o HIV pode se restringir aos dias iniciais, e não às primeiras semanas, após o vírus penetrar no organismo. Essa conclusão baseou-se em um estudo com 30 indivíduos recém-infectados pelo HIV, e o Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos financiou a pesquisa.
Fonte: UOL/The New York Times
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